terça-feira, 24 de novembro de 2009

A Mudança da Terreira - Parte 2

Apresentação: Extrato de Diário de Campo relatando observação participante no último dia da mudança da Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz do bairro Navegantes para o bairro São Geraldo.
Fundo de Origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Projeto Coleções etnográficas, estética urbana e patrimônio etnológico na era das textualidades eletrônicas.
Autor: Ana Paula Parodi Eberhardt (Bolsista IC/CNPq)
Local: Porto Alegre / RS
Data: 23/01/2009
Tags: Interiores da Escrita Etnográfica


O Jeferson e o Eugênio estavam dentro do caminhão e arrumavam as coisas lá dentro. Algumas coisas eram postas dentro das prateleiras. Havia mais alguns materiais de cenário da Missão, mas já era bem pouco. A Judith tirou as lâmpadas de serviço e o Clélio tirou alguns fios elétricos e a porta de ferro, que segundo o Beto “é nossa, agente que colocou!”. Pensei então nessa apropriação, nesse “nossa”, pois sei que embora o Beto tenha uma ligação com as oficinas há algum tempo, ele entrou para o grupo há uns dois anos no máximo, mas ele falou como se ele tivesse estado ali, colocando a porta há uns dez anos atrás, quando a Terreira se mudou para ali, depois de ter sido despejada da Cidade Baixa. Pensei em quem haveria dito isso para ele, e como se deu este processo de apropriação, desse “nossa”, que acontece dentro do grupo, aonde algumas pessoas vão se responsabilizar por coisas por livre e espontânea vontade, como por exemplo, estas pessoas que estavam lá ajudando na montagem e que muitas delas não precisavam estar ali, pois não são do grupo, mas se disponibilizaram a estar ali, carregando peso, no sol, sem comer por horas, mas estavam, e nem por isso carregavam menos peso que as demais, ou deixavam de se preocupar com aquilo que eles carregavam, eles pareciam sentir-se parte daquilo, como se aquilo também as pertencesse (...)
A Terreira agora estava vazia, o escritório, o galpão lá do fundo... Só haviam ficado, lá no “patiozinho”, umas madeiras, e uns “carretéis” de madeira, que pareciam um banquinho e que estavam podres, e bem no meio da Terreira uma cadeira, de pé, sozinha. Vi a Terreira se esvaziar lentamente, ao longo destes dias e conseguia ver ela com tudo o que tinha antes, só por olhar aquelas paredes, pintadas de preto, com manchas de marrom e vermelho, e a escada do escritório que segundo a Paula disse o Edgar queria levar, pois achava “muito cênica”. (...)
As pessoas se arrumaram para ir descarregar o caminhão e a Judith e o Eugênio fecharam a Terreira. Na frente só ficou uma geladeira velha, perto do registro d’água. Todos foram saindo sem grande comoção. O Paulo não estava ali, ele saiu de manhã a hora que eu cheguei e depois não voltou. Todos iam, pela calçada conversando sobre assuntos diversos, ninguém olhou para trás. Pelo meio da rua ia a Tânia e o Edgar, puxando um carrinho que não tinha entrado no caminhão, parecia que eles estavam levando a Terreira em cima daquele carrinho. Fazia um dia bonito, quente e com sol. E talvez algumas pessoas nem tenham percebido que nunca mais caminhariam por aquela rua pelo mesmo motivo.

As fotos desse fragmento virão na proxima postagem....

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